Caminhando hoje pelas calçadas do
Portal do Morumbi, em São Paulo, passei por uma pedinte que estava com uma
criança — provavelmente o seu filho — implorando dinheiro ou alimentos. Ao olhar
para a rua mais próxima, vi um carro branco importado sendo conduzido por uma
mulher e uma criança no banco traseiro, pessoas que aparentavam da classe alta.
Em segundos tentei imaginar o que raios seria a desigualdade: um Deus que
beneficia uns e outros não. Um conjunto de circunstâncias que levou uma pessoa
a pobreza extrema e outra ao luxo excessivo. Falta de sorte ou mero acaso.
Destino? Não acredito nisso, pois a vida de uma pessoa não pode estar traçada,
ela constrói o seu caminho dia após dia, mas é verdade que se o caminho não for
bem conduzido, o final será praticamente o pior possível, como também não.
Algumas, ou muitas pessoas que não conduziram bem as suas vidas se deram bem,
então isso descarta a possibilidade de um Deus que beneficia os que seguem um
caminho civilizado. O que vejo, depois de muita reflexão, é que existem várias
portas que nos cercam. Em uma delas está o sucesso, em outra o fracasso, numa
está a vida, em outra a morte, e assim por diante. Descobrir qual porta abrir é
façanha complicada, um tiro no escuro. Noto nos rostos cansados dos
trabalhadores falta de perspectiva para um futuro melhor. É por isso que muitos desistentes da batalha, ou mesmo fracos, se afogam na bebida. Somos escravos deste sistema cruel,
escravos que servem outras pessoas que encontraram seu caminho através de uma
porta certa. Tentar decifrar o que é tudo isso é difícil. Acreditar que seremos
mais felizes após a morte é algo incerto, afinal, alguém retornou da morte e
disse que o além é legal? É uma esperança acreditarmos na vida após a morte,
num sentido lógico para uma vida que não acaba, mas que modifica em forma de
espírito.
Tudo isso pensei hoje, no caminho
para o trabalho ao ver a pedinte com a criança no colo, mas sempre divago sobre
questões semelhantes, desde criança. Meu pai dizia que eu era um grande
observador, mas não pude discutir tantas questões com ele, pois faleceu cedo, quando eu tinha apenas 13 anos de idade, e foi justamente nessa fase que
comecei a questionar sobre o sentido real da vida. Meu pai era saudável,
trabalhador e honesto. Um dia parou o seu carro num semáforo do bairro da Lapa
e foi baleado duas vezes por dois cretinos que queriam apenas roubar o seu
automóvel. A vida do meu pai acabou ali, numa calçada suja e dura. Ele era devoto de Nossa Senhora Aparecida, mas nada o poupou de uma morte cruel.
E quantas outras pessoas, quantas outras famílias não passaram por algo
semelhante ou até pior? Tento pensar em seres superiores que nos observam, num
Deus que traça o nosso caminho de maneira estranha, mas que no fundo isso tem
algum sentido e que a vida não seja apenas uma luz que se apaga. As portas
existem e estão ao nosso redor, basta acreditarmos e termos forças para abri-las,
uma por uma, por mais emperradas que estejam.
Enquanto isso, a pedinte continua
lá, com a mão estendida e sentada na calçada com sua criança no colo, apenas aguardando
que alguém torne a sua vida um pouco melhor.
Ademir Pascale
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