quarta-feira, 31 de outubro de 2012

AS PORTAS


Caminhando hoje pelas calçadas do Portal do Morumbi, em São Paulo, passei por uma pedinte que estava com uma criança — provavelmente o seu filho — implorando dinheiro ou alimentos. Ao olhar para a rua mais próxima, vi um carro branco importado sendo conduzido por uma mulher e uma criança no banco traseiro, pessoas que aparentavam da classe alta. Em segundos tentei imaginar o que raios seria a desigualdade: um Deus que beneficia uns e outros não. Um conjunto de circunstâncias que levou uma pessoa a pobreza extrema e outra ao luxo excessivo. Falta de sorte ou mero acaso. Destino? Não acredito nisso, pois a vida de uma pessoa não pode estar traçada, ela constrói o seu caminho dia após dia, mas é verdade que se o caminho não for bem conduzido, o final será praticamente o pior possível, como também não. Algumas, ou muitas pessoas que não conduziram bem as suas vidas se deram bem, então isso descarta a possibilidade de um Deus que beneficia os que seguem um caminho civilizado. O que vejo, depois de muita reflexão, é que existem várias portas que nos cercam. Em uma delas está o sucesso, em outra o fracasso, numa está a vida, em outra a morte, e assim por diante. Descobrir qual porta abrir é façanha complicada, um tiro no escuro. Noto nos rostos cansados dos trabalhadores falta de perspectiva para um futuro melhor. É por isso que muitos desistentes da batalha, ou mesmo fracos, se afogam na bebida. Somos escravos deste sistema cruel, escravos que servem outras pessoas que encontraram seu caminho através de uma porta certa. Tentar decifrar o que é tudo isso é difícil. Acreditar que seremos mais felizes após a morte é algo incerto, afinal, alguém retornou da morte e disse que o além é legal? É uma esperança acreditarmos na vida após a morte, num sentido lógico para uma vida que não acaba, mas que modifica em forma de espírito.
Tudo isso pensei hoje, no caminho para o trabalho ao ver a pedinte com a criança no colo, mas sempre divago sobre questões semelhantes, desde criança. Meu pai dizia que eu era um grande observador, mas não pude discutir tantas questões com ele, pois faleceu cedo, quando eu tinha apenas 13 anos de idade, e foi justamente nessa fase que comecei a questionar sobre o sentido real da vida. Meu pai era saudável, trabalhador e honesto. Um dia parou o seu carro num semáforo do bairro da Lapa e foi baleado duas vezes por dois cretinos que queriam apenas roubar o seu automóvel. A vida do meu pai acabou ali, numa calçada suja e dura. Ele era devoto de Nossa Senhora Aparecida, mas nada o poupou de uma morte cruel. E quantas outras pessoas, quantas outras famílias não passaram por algo semelhante ou até pior? Tento pensar em seres superiores que nos observam, num Deus que traça o nosso caminho de maneira estranha, mas que no fundo isso tem algum sentido e que a vida não seja apenas uma luz que se apaga. As portas existem e estão ao nosso redor, basta acreditarmos e termos forças para abri-las, uma por uma, por mais emperradas que estejam.
Enquanto isso, a pedinte continua lá, com a mão estendida e sentada na calçada com sua criança no colo, apenas aguardando que alguém torne a sua vida um pouco melhor.

Ademir Pascale

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