Moacyr Scliar: Comecei a escrever desde criança; minha mãe, professora, alfabetizou-me e estimulou-me a ler. Meu pai, por outro lado, imigrante como minha mãe, era um grande contador de histórias e foi dele que adquiri o prazer da narrativa que, seguindo o exemplo de Monteiro Lobato e de Érico Veríssimo eu queria colocar no papel. Minhas primeiras histórias eram contos infantis; a entrada na Faculdade de Medicina ampliou o horizonte de minhas experiências e foi na Faculdade que publiquei meu primeiro livro de contos.
Ademir Pascale: Qual a causa da escolha pela Medicina?
Moacyr Scliar: Foi uma motivação diferente daquela que me levou à literatura. Em criança eu tinha muito medo de doença. Eu não tinha medo de ficar doente, não era, e não sou, hipocondríaco; mas quando meus pais adoeciam eu entrava em pânico. Por causa disso comecei a me interessar por doenças e pela medicina o que me levou a esta carreira que foi e é uma fonte permanente de gratificações.
Ademir Pascale: Quais são as principais influências na construção de suas obras?
Moacyr Scliar: No início, Monteiro Lobato. Depois, Érico Veríssimo e Jorge Amado. Mais tarde ainda, Dalton Trevisan, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, e Franz Kafka.
Ademir Pascale: Com qual autor você mais se identifica?
Moacyr Scliar: Com os mencionados acima.
Ademir Pascale: O que você diz sobre o tratamento da maioria das editoras brasileiras com as obras que recebem dos jovens autores que procuram um lugar no mercado literário?
Moacyr Scliar: Estreantes tem uma tarefa dura pela frente. Editoras são empresas e como empresas levam inevitavelmente em consideração o mercado, onde as chances de um escritor desconhecido são pequenas. Meu conselho aos que estão começando é que tratem de publicar por todos os meios a seu alcance (jornais, antologias, Internet) e que concorram a todos os prêmios possíveis. Isto pode aumentar o interesse das editoras.
Ademir Pascale: Você escreve diversos gêneros literários, mas qual é o seu predileto e por quê?
Moacyr Scliar: Gosto do conto, pelo desafio. Escrever um bom conto é, ao contrário do que possa parecer, muito difícil. Mas um bom conto é um triunfo literário.
Ademir Pascale: Qual a sua opinião referente a adaptação do seu romance "Sonhos Tropicais", sob direção de André Sturm para o cinema?
Moacyr Scliar: Acho que foi uma adaptação correta, bem feita, e que reconstitui muito bem a época de Oswaldo Cruz. Tenho discutido o filme com estudantes universitários (da área da saúde, sobretudo) e vejo que eles gostam muito.
Ademir Pascale: Como foi o dia da posse da cadeira de nº 31 da Academia Brasileira de Letras e o que sentiu no momento do discurso de posse?
Moacyr Scliar: Fiquei mais emocionado do que poderia imaginar, e tratei de homenagear aqueles que, de uma forma ou outra, me ajudaram no caminho da literatura: meus pais, meus professores, meus amigos, meus editores – e o Rio Grande do Sul, onde tenho minhas raízes.
Ademir Pascale: Você escreveu mais de 80 obras, algumas foram adaptadas para mais de 20 línguas. Qual destas obras marcou a sua vida e por quê?
Moacyr Scliar: O Centauro no Jardim, uma obra em que uso a metáfora do centauro como símbolo da dupla identidade dos filhos de imigrantes (meu caso) me deu grande prazer e emoção.
Ademir Pascale: Tenho uma grande admiração por escritores e pintores que passaram por inúmeros obstáculos para o caminho do sucesso; muitos, ou a maioria, tinham uma vida atribulada de problemas de saúde, conjugais e financeiros, como Edgar Allan Poe, Charles Dickens, Sylvia Plath, Van Gogh, etc. Infelizmente, muitos não chegaram ao sucesso em vida. Você acredita que uma vida atribulada aos problemas pode influenciar na construção de excelentes obras literárias?
Moacyr Scliar: Arte é quase sempre sinônimo de vida atribulada, por razões óbvias. Acho que os artistas prefeririam reconhecimento sem atribulações, mas estas acabaram funcionando como teste para a vocação e para as convicções deles.
Ademir Pascale: Como foi o processo e o porquê da criação da obra "A Orelha de Van Gogh"?
Moacyr Scliar: O conto que dá título à obra baseia-se no conhecido incidente da vida do pintor em que ele, num acesso de loucura, cortou a própria orelha. Mas eu uso essa orelha como elemento de uma história que fala da relação complicada entre um filho e um pai.
Ademir Pascale: Poderia fazer um comentário referente a obra "A mulher que escreveu a Bíblia"?
Moacyr Scliar: Este livro nasceu da observação de um estudioso da Bíblia, o professor norte-americano Harold Bloom. Para ele parte do Antigo Testamento foi escrito por uma mulher. Acho pouco provável que isto tenha acontecido, porque afinal as culturas do Oriente Médio eram e são eminentemente patriarcais e a designação de uma mulher para escrever um livro sagrado seria quase impossível. Mas de qualquer modo fiquei pensando nessa mulher como uma personagem e daí nasceu a história.
Ademir Pascale: Como foi o projeto Moacyr Scliar (Documentário em longa-metragem)?
Moacyr Scliar: Ainda está sendo realizado, e acho que sairá muito bem.
Ademir Pascale: Para finalizar, você acha que os livros são de fácil acesso para a população brasileira? Caso não, o que poderia ser melhorado?
Moacyr Scliar: No Brasil, os livros ainda são muito caros em relação ao poder aquisitivo da população. Isto se deve a um círculo vicioso: imprime-se pouco porque as pessoas supostamente não lêem, as baixas tiragens resultam em altos preços e aí as pessoas não lêem mesmo. Soluções já estão sendo adotadas: edições mais baratas, distribuição de livros pelo governo, divulgação através da Internet. E já estamos tendo bons resultados.
Moacyr Scliar foi um dos escritores mais generosos dos quais já conheci, era também médico e imortal da Academia Brasileira de letras, ocupando a cadeira de nº 31. Scliar já escreveu mais de 80 livros, muitos traduzidos para mais de 20 línguas. Faleceu no dia 27/02/2011 (domingo).
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