segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O BRINQUEDO DE RAMURAK - O DEUS-MENINO - POR ADEMIR PASCALE


Antes do início tudo era um grande vazio, escuro e sem vida. Mas apenas para o conhecimento humano, pois depois da imensidão desértica do universo, incríveis seres faziam morada num imenso planeta sem cor, possuidores de uma tecnologia tão avançada, que não existiam palavras para descrever. Deuses... Sim, eles eram deuses. O conhecimento sobre o tempo não existia e nem eles próprios sabiam como surgiram. Mas ninguém estava acima deles e nada os ameaçava, nem mesmo a própria morte.

Entre eles existiam deuses adultos; homens e mulheres. Mas também haviam crianças, destacando um deus-menino chamado Ramurak.

Ramurak era filho de Hamutá e Ranub, um dos mais respeitados deuses. Alguns diziam que ele, Ranub, tinha sido o primeiro do seu povo. Outros arriscavam em dizer que ele era o próprio criador de toda a sua poderosa raça. Ele sabia que não era o criador e que esse assunto estava acima da sua compreensão, mas sabia que o seu único filho Ramurak, era diferente dos outros deuses, pois era o único que possuía sentimentos.

Hamutá, a deusa-mãe, não compreendia os sentimentos do filho e quase sempre rejeitava suas curiosas ideias. Ranub, embora não possuísse sentimentos, sabia o que era: algo muito perigoso para a sua raça de deuses. Mesmo assim, pai e mãe, mantiveram segredo sobre a diferença do filho para com os demais.

Isolado das outras crianças que mais se pareciam com adultos, os pais, para distraírem o  filho, deram-lhe de presente uma pequena esfera que, através dela, Ramurak visualizava todas as cores, algo inexistente em seu planeta.

E com a palma da mão virada para cima, o pequeno deus deixava a esfera flutuar.

Inicialmente, foi uma grande diversão. Mas depois o brinquedo tornou-se enjoativo. E em uma pequena nave incolor em formato de esfera, numa das viagens com seus pais pelo deserto do universo em busca de mais conhecimentos, Ramurak, cansado em não ver nada diferente, distanciou-se e numa pequena distração de Hamutá e Ranub, o pequenino, num estalar de dedos, criou o que é chamado hoje pelos cientistas de Big Bang, o início do desenvolvimento do universo. Hamutá, percebendo o que o filho fizera, fez sinal de desaprovação. Ranub olhou sério para o filho e depois para a sua criação, enxergando o que aquilo viria a ser: milhares de galáxias com bilhões de planetas habitados. Ele olhou mais uma vez para o filho e pela primeira vez em sua eterna vida aprendeu o que era felicidade. A mãe, vendo a cena, acabou compreendendo que o filho acabara de fazer algo grandioso.

A viagem pelo deserto do universo tinha valido a pena, pois ambos aprenderam muito.

E enquanto retornavam para o seu planeta, os dois, pai e mãe, seguraram, um de cada lado, as mãos do filho, dando conselhos de que um dia ele faria algo ainda maior do que acabara de fazer.
A única coisa que eles não perceberam, era que o brinquedo do filho, a pequena esfera flutuante, ficara para trás. E ela vagou e presenciou a formação do universo se expandir e tomar enormes proporções por muito, muito tempo... 

Com o passar dos milênios, uma crosta rochosa foi surgindo em torno da esfera, tornando-a num meteoro com mais de oito quilômetros, viajando numa velocidade aproximada de 72.000 km/h, passando por incontáveis estrelas e planetas, sentindo a força vital de cada um deles, presenciando o nascer e o morrer através de destruições naturais e incontáveis guerras.

A esfera, mesmo sendo um ser inanimado, precisava encontrar um destino, um lar que lhe acolhesse e preservasse a sua existência, mesmo ela desconhecendo qualquer coisa que pudesse destruí-la, pois foi criada por Hamutá e Ranub, pais de Ramurak, o Criador de toda a vida existente no universo. O ser do qual simplesmente chamamos de Deus.  

Ela vagou e selecionou poucos planetas dos quais lhe agradou. Mas um era especial, devido a sua exuberante cor azul.

Sim, depois de vagar por bilhões de anos, ela finalmente encontrou o seu destino: o planeta Terra.

O impacto foi devastador, liberando uma energia descomunal, comparada a um milhão de bombas atômicas. O ser, chamado Esfera, não pretendia ter causado tamanho caos, mas acabou gerando a destruição de inúmeras espécies, pois a sua queda causou incêndios, chuvas ácidas e a liberação de gases, poeira e partículas de carboneto, bloqueando a luz solar gerando a drástica queda em sua temperatura. Com o passar dos anos, apenas os seres mais resistentes sobreviveram.

A Esfera, fora do seu rochoso casco, vagou solitariamente pelo nosso planeta e vislumbrou, aos poucos, ele se reerguendo e novamente ganhando vida.

O tempo passou e a Esfera, cansada de vagar a esmo, encontrou morada numa pequena caverna. Ali ela estaria protegida. E mesmo sendo considerada um brinquedo nas mãos de um deus-menino, era a criação de dois poderosos deuses. De certa forma ela sabia que deveria ficar naquela caverna e esperar.
Esperar por alguém que precisasse dela. Esperar por alguém que a possuísse. Pois ela nasceu apenas para servir. Esta era a sua função.

E ela esperou solitária nas trevas de uma simples cavidade rochosa.

Ela que vislumbrou o nascimento do universo. Ela que presenciou nações inteiras sucumbirem pela ganância de seus líderes. Ela que esteve presente no momento fúnebre da morte de milhares de estrelas. Ela que agora adormece esperando apenas que algo ou alguém a encontre.

Até o dia em que ela percebeu que não estava só: o som de crianças brincando no lado exterior da caverna a despertou do transe. Finalmente chegara o momento de mostrar para o mundo que ela existia. E que um dia esteve nas pequeninas mãos do Grande Criador de todas as coisas.

FIM 

OBS.: na realidade, esse conto seria o 1º capítulo de um romance, mas não lembro por qual motivo parei. Sei a história do início ao fim e sei que é muito bacana. Tenho que voltar a escrevê-la :)

Um comentário:

  1. Gostei do mito da criação nessa perspectiva. Lembro de quando li o Silmarillion e descobri como Tolkien imaginara a criação daquele mundo espetacular. Merece uma continuação sim!
    Abraço!

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